Pieces * Correntes invisíveis
Habituas-te às coisas da vida. Habituas-te a sofrer, habituas-te a que te mintam, a que te enganem, a que não te amem, a que não te entendam. Habituas-te e aprendes a habituar-te. Descobres que não há espaço para todos no teu mundo. Que alguém tem de ceder o seu lugar, para alguém novo poder sentar-se. Nem sempre essa nova pessoa é a certa. Nem sempre descobres isso a tempo. Muitas vezes a antiga já saiu porta fora e já nem a sua sombra consegues ver. Nessa altura habituas-te. Habituas-te por não teres outra hipótese.
Vives com a dose errada de tudo e de nada. Vives com quem fica, com quem quer ficar. E os que partem, deixam rasto, saudade e dor. Quando nada depende de ti e já não há mais nada que possas fazer, habituas-te a viver assim, não como queres, mas como deixam que vivas. Habituas-te que por muito que te deixem sonhar, a meio acordam-te, para te lembrar que nunca passará de um sonho ridículo. Deixam que tenhas esperança, para que te prendam. Para que te consigam dominar. Apesar de te sentires livre, as correntes invisíveis estão lá, e quando pensas que te guias pelas estrelas, não é mais do que a sua lanterna. Sobrevives com os restos que te atiram.
Ser sobrevivente é fazer do nada tudo e resistir mesmo em tempo de adversidade. É saber jogar com as cartas certas. Fazer passar-se por fraco e na hora h, mostrar do que se é capaz. Os hábitos mudam. As correntes destroem-se. E quando as estrelas são falsas, segue-se o coração. Os sonhos são sempre ridículos até que se realizam e quando alguém partir, corre o mundo atrás dela. Viver pelos outros, ou com o que não é teu, é oferecer-lhes o que mais de precioso tens, com direito a laço e a postal de agradecimento. Desistir é para os fracos, não para os sobreviventes. Por isso habitua-te, eu caio, mas levanto-me, e isto acontece sempre. Demorei, mas voltei!