Pieces * Ficar ou fugir

   Nem da minha vida sou dona. Posso escolher por onde quero ir, com quem quero estar, o que quero fazer, o quando e o como. Isso não significa que faça tudo o que quero, com quem quero, quando quero e como quero. Existem leis, regras, mães, horários, responsabilidades, rotinas, condições e consequências. Esquecer é possível, fazê-las desaparecer não. Por isso é que me tira do sério quando me estragam planos, me fazem esperar, mexem com a minha rotina e não respeitam as minhas regras.
   Eu convivo bem com mais responsabilidades, com horários sobrecarregados, com poucas horas de sono, com desejos por concretizar, mas não com o facto das pessoas me abandonarem a toda a hora. Não por opção, mas sim porque a vida os obrigou. Gosto de ter 22 anos, de ter a minha liberdade e o meu mundo, mas também gostava de quando tinha 14 anos e andava aos bandos pela escola, ou 16 e íamos juntas a pé para a ESAS, ou 19 e a tradução era o nosso tema preferido à hora de almoço. Gostava de andar de autocarro e de ter uma mesada reduzida. Gostava de acordar às 7h e ter aulas o dia todo. Parecia mau na altura, mas agora dá saudades. Crescer implica deixar coisas boas para trás. E eu nunca fui muito boa a desfazer-me das coisas boas.
   No fundo, o que eu queria era viver um dia em cada uma das vidas que já tive. Voltar a ter-vos ao meu lado nas aulas, a ti à minha espera nas escadas, tu a fazer o horário da noite comigo, ele e as nossas longas conversas sem sentido, voltar para a casa onde cresci, ser criança e usar saias de pregas e arcos com borboletas na cabeça. Sim, eu sei, nunca vou estar satisfeita. Vai haver sempre algo, no passado longínquo ou no futuro próximo, que me vai fazer duvidar em que lugar e com quem quero estar. Vão haver sempre dois lados da mesma moeda. Porque o hoje está carregado de motivos para ficar e cheio de motivos para fugir.

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