Pieces * A máquina

   Depois de horas a falar com a minha mãe, percebi que andava um bocadinho perdida. Acho que acabei por me virar contra todos, apontar o dedo a toda a gente e a maior parte da culpa estava do meu lado. Quando digo perdida, quero dizer que perdi um bocadinho de mim nestas últimas semanas e não estava a saber lidar com isso. Andava a tentar dar valor a tudo e a todos e esqueci-me de me valorizar. Acho que perdi um pedaço de mim, mas que já não fazia falta. Pena é só agora ter percebido isso. Custa-me quando nem tudo corre como sonho ou como quero. Custa-me quando as pessoas não fazem o que eu espero que façam. Que acabem por me desiludir, mas não porque me magoam, mas porque reagem de outra forma. Ainda me custa aceitar que o mundo não é sempre cor-de-rosa e que a felicidade seja um momento, não uma constante. Acho que pedi tudo aos outros e não esperei nada de mim mesma.
   Esqueci-me que para amar alguém é preciso me amar. Se não me aceito, como é que alguém o vai conseguir fazer. Esqueci-me que para me amarem preciso de me sentir bem na minha pele, de me sentir bem sendo eu, sem máscaras, sem camadas, sem complicações. Ás vezes esqueço-me de tirar a máscara, de baixar a guarda e destruir a muralha que eu própria construo à minha volta. Não deixo nem quero deixar os outros entrar, mas depois vejo-me sozinha dentro do meu mundo imaginário. Sinto-me abandonada por todos e afinal fui eu que abandonei o jogo.
   Crescer é isso, é encarar a realidade, é encarar quem somos, gostar de ser assim, ter orgulho em nós, no que somos, no que já fizemos e nas batalhas que já ganhámos e também nas que já perdemos. Perceber que não é por estarmos com determinada pessoa que o mundo vai ser mais belo e amarelo. Essa pessoa tem de ser um complemento e não o centro do nosso mundo. Não faz de nós quem somos, complementa-nos. Quando deixa de o fazer ou quando deixámos que deixe de o fazer, mais vale arrumar com o assunto e partir para outra. Estar com alguém por estar não faz parte dos meus sonhos. Quero partilhar coisas, momentos, quero partilhar passado, futuro e presente. Não quero que seja tudo como foi no passado, mas também não quero que seja tudo como irá ser no futuro. Um dia de cada vez. O meu mal é esse. Sofro pelo passado, pelo presente e, principalmente, pelo futuro. Como vai ser, como vou fazer, como me vou sentir, como será se não fosse assim agora. Isto é uma estupidez e a maior parte das pessoas vive assim. Martiriza-se com tudo, em vez de se sentar e aproveitar o momento. Depois acaba por estragar o presente e o futuro! Foi isso que eu fiz. Estraguei o passado, o presente e o futuro. Tentei viver o passado no presente e a tentei imaginar que estava no futuro.
   No outro dia disse que tinha medo de seguir em frente e não olhar mais para trás. Não percebi é que não há volta a dar. Não dá para voltar atrás no tempo. De qualquer das formas esta vida só tem um sentido. Para a frente! Como constróis esse caminho é que depende de ti. Podes tentar esquecer os problemas ou procurar uma solução, se ainda houver esperança. Há sempre alguma forma, podes não conseguir mudar o passado, mas consertar parte dele. Essa é a verdadeira essência. Por isso é que ainda acredito que exista uma solução para o meu problema. Eu sou uma máquina com defeito, mas o meu defeito tem conserto.

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